Dipirona é segura e associação com distúrbio raro não tem fatores genéticos conhecidos
Relação com agranulocitose - doença que reduz número de células de defesa do sangue - usada para proibir medicamento no exterior não tem evidências genéticas suficientes para proibir seu uso

Dipirona é um medicamento do grupo dos analgésicos e antipiréticos, usada principalmente para aliviar dores e reduzir a febre; principal justificativa para a proibição em alguns países foi a preocupação com a ocorrência de agranulocitose, doença que reduz de forma grave a produção de células de defesa do sangue – Foto: rawpixel.com/Freepik
Não há evidências genéticas suficientes para justificar a proibição do uso de dipirona pelo risco de agranulocitose, conclui estudo com participação de pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP. A doença, que provoca uma grave redução dos neutrófilos, células de defesa do sangue, foi apontada como razão para proibir o medicamento em países como Estados Unidos, Inglaterra e Japão. No Brasil, o uso é regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Embora o trabalho tenha identificado estudos que mostram variações genéticas associadas à agranulocitose, elas são muito raras e sem relação significativa com as diferentes normas de uso da dipirona, indicando a necessidade de mais estudos sobre o tema. Os resultados da pesquisa são apresentados em artigo da revista científica Frontiers in Pharmacology.
“A dipirona é um medicamento pertencente ao grupo dos analgésicos e antipiréticos, sendo usada principalmente para aliviar dores e reduzir a febre”, explicam ao Jornal da USP as pesquisadoras Giovana Fidelis, primeira autora do artigo, e Carolina Dagli Hernandez, professora da FCF. “EsSe medicamento é proibido em países como Estados Unidos, Suécia, Finlândia, Inglaterra e Japão. A principal justificativa para a retirada foi a preocupação com a ocorrência de agranulocitose, que reduz de forma grave a produção de neutrófilos no sangue.”
“Quando essa queda acontece por causa da dipirona, chamamos de agranulocitose induzida pela dipirona. No organismo, a pessoa pode começar sem sintomas específicos, mas logo apresenta febre, calafrios e sinais de infecção”, relatam as pesquisadoras.
“Como os neutrófilos ficam muito baixos, o corpo perde a capacidade de se defender, o que aumenta bastante o risco de infecções graves, podendo até evoluir para sepse [disfunção de órgãos com risco de vida].”
De acordo com Giovana Fidelis e Carolina Dagli Hernandez, em alguns locais onde houve a proibição, especialmente nos países nórdicos, foi observada uma frequência mais elevada de agranulocitose induzida por dipirona. “Um estudo sueco de 2002 observou que cerca de 1 em 1.400 usuários de dipirona apresentaram essa reação adversa. Isso justificou sua proibição nesse e em outros países”, apontam. “Como a agranulocitose foi observada especificamente em algumas populações, também foi levantada a hipótese de existir uma influência genética no risco dessa reação.”
Diferenças genéticas
“O objetivo da nossa pesquisa foi reunir e analisar estudos que investigam se existem diferenças genéticas que podem aumentar esse risco, como essas variantes aparecem em diferentes populações e também como o uso da dipirona é regulamentado em diferentes países”, ressaltam as pesquisadoras. “Encontramos poucas pesquisas sobre a relação entre genética e agranulocitose. Foram identificadas variantes em alguns genes, mas apenas duas associações mostraram resultados significativos: uma envolvendo o gene HLA-C*04:01 e outra ligada ao gene SVEP1, localizado no cromossomo 9.”
Em seguida, o estudo investigou se existe alguma relação entre a frequência dessas variantes e a proibição da dipirona. “Observamos que não há diferenças, ou seja, essas variantes não são necessariamente mais comuns em países que proíbem a dipirona. Isso indica que é muito provável que não haja associação entre essas variantes e o risco de agranulocitose ou à proibição deste medicamento”, enfatizam. “É importante notar que os estudos encontrados possuem limitações, e seus achados devem ser interpretados com cautela.”
Segundo Giovana Fidelis e Carolina Dagli Hernandez, não há movimentação para proibir a dipirona no Brasil. “Ela é um dos medicamentos mais usados no País e em outras regiões da América Latina. Um estudo realizado no Brasil, Argentina e México mostrou que a incidência de agranulocitose nesses países foi muito baixa, em torno de 0,38 casos por milhão de habitantes por ano”, afirmam. “Além disso, pesquisas indicam que a dipirona pode ter menor chance de causar efeitos adversos do que a aspirina e o ibuprofeno, mostrando-se uma opção segura.”
“Nosso trabalho demonstrou que ainda há poucos estudos que exploram a prevalência e os fatores genéticos envolvidos na agranulocitose induzida por dipirona”, destacam as pesquisadoras.
“Por isso, mais estudos são necessários para avaliar a prevalência dessa reação, caracterizar as populações e avaliar possíveis associações entre a genética e esse evento.”
A agranulocitose é um evento adverso muito raro e o medicamento continua sendo um medicamento considerado seguro para a população brasileira, ressaltam Giovana Fidelis e Carolina Dagli Hernandez. “No entanto, se o paciente apresentar sintomas como febre repentina, calafrios, dor de garganta, aftas e fraqueza geral após a ingestão de dipirona (especialmente em caso de uso prolongado), recomendamos que ele procure um médico imediatamente para avaliação.”
“Além disso, é muito importante que, em caso de suspeita de agranulocitose induzida por dipirona, os pacientes e profissionais de saúde reportem à Anvisa, ainda que seja somente uma suspeita”, indicam as pesquisadoras. O estudo foi resultado de uma colaboração internacional, que contou com pesquisadores da FCF, da Faculdade de Ciências Médicas e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp. Também participaram do trabalho a Universidade de Surabaya (Indonésia), o Uppsala Monitoring Centre (Suécia) e a International Society of Pharmacovigilance (ISoP) na Suíça.
Mais informações: emails giovanafsfidelis@gmail.com, com Giovana Fidelis, e carolina.hernandez@usp.br, com a professora Carolina Dagli Hernandez